segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Semana da Arte Moderna

MODERNISMO NO BRASIL


PRIMEIRO TEMPO MODERNISTA

(1922 – 1930)




“(...) Malditos para sempre os Mestres do Passado! Que a simples recordação de um de vós escravize os espíritos no amor incondicional pela Forma! Que um olhar passeando por acaso nos vossos livros se cegue a procura de um verso de ouro! Que uma flor tombada de umas mãos infantis sobre vosso túmulo rebente em silvas de tais espinhos que nelas se fira e sucumba a ascensão dessa infância! Que o Brasil seja infeliz porque vos criou! Que a Terra vá bater na Lua arrastada pelo peso dos vossos ossos! Que o Universo se desmantele porque vos comportou!
E que não fique nada! Nada! Nada!....”


Mário de Andrade, Mestres do Passado


I – LOCALIZAÇÃO:

O primeiro tempo modernista tem como marco inicial o centenário da Independência do Brasil e a realização da Semana de Arte Moderna (1922), “momento de maior orgia intelectual que a história do país registrara”, palavras de Mário de Andrade, no Teatro Municipal de São Paulo.

II – CONTEXTO HISTÓRICO-SOCIAL:

O Brasil, no início do século XX, parecia uma Torre de Babel: processo de urbanização (São Paulo contava com 500 mil habitantes, deficiência nos serviços sanitários, maioria das ruas não pavimentadas); imigração (quase metade da população era italiana ou seus descendentes); quebra da Bolsa de Valores (a economia brasileira sofrerá uma grande instabilidade); industrialização; reflexos da I Guerra Mundial.....
O Rio de Janeiro ostentava-se com um cartão postal em estilo francês. Seus teatros, cafés, casarões escondiam a pobreza dos homens, mulheres e crianças que trabalhavam dezesseis horas por dia por um salário miserável e encobriam a febre amarela e outras doenças que irradiavam, para não assustar o turista estrangeiro.
Na “Confeitaria Colombo” (RJ) e no “Le Petit Trianon” (SP), jovens intelectuais desfilavam de fraque e com seus monóculos; bebendo chope, cachaça, champanhe e discutindo sobre arte.




As mulheres extremamente perfumadas e elegantes iam à “toilette” ajeitar seu “tailleur” e dirigiam-se a seu amado por “l’amour”.
Nesse ambiente maquiado, sobretudo em São Paulo desenvolveu um movimento que foi o marco do Modernismo brasileiro: a Semana de Arte Moderna.


III – ANTECEDENTES DA SEMANA DE ARTE MODERNA:

Foram vários os acontecimentos que culminaram para a realização do evento:

1912 – Oswald de Andrade retorna da Europa entusiasmado com o Futurismo de Marinetti e com a técnica do verso livre.

Lança “O Pirralho”, semanário paulista, contando com a ajuda de amigos, principalmente de Di Cavalcanti, um excelente desenhista.


1913 – Exposição de telas expressionistas de Lasar Segall (a exposição foi ignorada nos meios artísticos).

“Família”, 1913. Lasar Segall

1914 – Exposição não acadêmica de Anita Malfatti.


“Meu irmão Alexandre”, 1914. Anita Malfatti

1915 – Início do modernismo português com a publicação da Revista Orpheu, contando com a participação do brasileiro, Ronald de Carvalho.

1916 – Primeira redação de “Memórias sentimentais de João Mirama”r, de Oswald de Andrade.


1917 – Mário de Andrade publica “Há uma gota de sangue em cada poema”, com o pseudônimo de Mário Sobral.

- Menotti del Picchia publica Juca Mulato, poema regionalista.


- Di Cavalcanti realiza sua exposição de caricaturas em São Paulo.


- Mário de Andrade conhece Oswald de Andrade em uma festa no
Conservatório Dramático e Musical.
- Villa-Lobos compõe o balé “Amazonas”, baseado no folclore nacional.


- Gravação do samba Pelo Telefone, composto por freqüentadores do terreiro da Tia Ciata, em disco.
- Exposição de 53 telas de Anita Malfatti causando indignação em Monteiro Lobato, que publica no jornal O Estado de São Paulo, em 20/12/1917, um artigo (Paranóia ou Mistificação) criticando a obra da jovem pintora.

1918 – Manuel Bandeira publica “Carnaval”.


1920 – Victor Brecheret, um jovem escultor que estudara em Roma, apresenta uma maquete para o Monumento às Bandeiras.


1921 – Mário de Andrade publica sete artigos criticando a arte passadista, intitulado “Mestres do Passado”.
- Graça Aranha retorna ao Brasil, depois de ter vivido por vinte anos na Europa e empolga-se com a agitação cultural paulistana.
- Graça Aranha e Ronald de Carvalho convidam Villa-Lobos a participar de um evento em São Paulo para divulgação das nossas ideias. O compositor e maestro terá a sua viagem custeada por Paulo Prado, intelectual rico de São Paulo.

Ninguém sabe ao certo de quem foi à ideia da realização da Semana de Arte Moderna, mas o importante que em 13, 15 e 17 de fevereiro de 1922, foi realizada a maior manifestação artística brasileira que se tem notícias.


IV – A SEMANA:




“É preciso que se saiba que nos manicômios se produzem poemas, partituras, quadros e estátuas, e que essa arte de doidos tem o mesmo característico da arte dos futuristas e cubistas que andam soltos por aí.”

Jornal do Comércio

“Precisa-se de um moço honesto que saiba fazer versos futuristas. Exige-se um atestado de ignorância.”

Jornal do Comércio

“Foi, como se esperava, um notável fracasso a récita de ontem da pomposa Semana de Arte Moderna, que melhor e mais acertadamente deveria chama-se Semana de Mal – às artes.”

Folha da Noite

“De um lado, artistas de fama faziam versos, recitavam trechos de prosa, enchiam o ambiente de harmonias. De outro lado, alguns indivíduos, que chegaram a envergonhar o gênero humano, por dele conservarem apenas o “Aspecto”, ladravam e cacarejavam.”

Correio Paulistano



São Paulo, 13 de fevereiro de 1922:


Segunda-feira, 20 horas, o evento inicia-se com uma exposição de artes plásticas no saguão do Teatro e é aberto com uma conferência proferida por Graça Aranha: “A Emoção Estética na Arte Moderna”.
Nem mesmo sua posição de membro da Academia Brasileira de Letras, nem seus 54 anos de idade, o pouparam de vaias.
A conferência de Graça Aranha foi acompanhada por músicas regidas por Ernani Braga e por declamações de poemas, realizadas por Guilherme de Almeida e Ronald de Carvalho.
A segunda parte do evento nesta noite, contava com a conferência de Ronald de Carvalho a respeito da “Pintura e a escultura moderna no Brasil” e em seguida uma apresentação de três danças africanas de Villa-Lobos, seguida de solos de piano por Ernani Braga.
Oswald de Andrade leu poemas de sua autoria sob vaias terríveis. “Apenas me levantei e o teatro estrugiu numa vaia irracional e infrene. Antes mesmo d’eu pronunciar uma só palavra (...)”
Mário de Andrade também tentou proferir no saguão do teatro uma palestra sobre estética. “Não sei como pude fazer uma conferência sobre artes plásticas nas escadarias do teatro, cercado de anônimos que me caçoavam e ofendiam a valer”.

São Paulo, 15 de fevereiro de 1922:




Guiomar Novaes, famosa pianista, enviou ao jornal O Estado de São Paulo, uma carta contestando a sátira de Eric Satie à “Marcha Fúnebre” de Choppin, executada por Ernani Braga, na primeira noite do evento. “(...) Em virtude do caráter bastante esclusivista e intolerante que assumiu a 1ª festa de Arte Moderna realizada à noite de 13, no Teatro Municipal, em relação às demais escolas de músicas das quais sou intérprete e admiradora, não posso deixar de aqui declarar o meu desacordo com este modo de pensar. Senti-me sinceramente contristada com a pública exibição de peças satíricas alusivas à música de Chopin (...)”
Mesmo sentindo-se “sinceramente contristada”, a pianista participou da segunda noite do evento e desagradando aos organizadores do espetáculo executou alguns clássicos consagrados no intervalo de sua apresentação, sendo aplaudida freneticamente pelo público presente.
Menotti del Picchia proferiu uma palestra sobre estética e arte ilustrada acompanhado por vaias.
Aconteceu um número de dança executado por Yvone Daumerie e leituras de poemas e prosas modernistas.
O ápice da noite ocorreu quando, Ronald de Carvalho declamou o poema “Os Sapos”, de Manuel Bandeira, poema de ataque aos parnasianos. O público reagia latindo, miando, guinchando, fazendo o poeta interromper a leitura e afirmar: “Há um cachorro na sala, mas não está do lado de cá. Vamos ler o poema.”

São Paulo, 17 de fevereiro de 1922:


Um número reduzido de público pagante aguardava a apresentação dos artistas, desta última noite. Com a entrada de Villa-Lobos, calçando um pé de sapato e o outro de chinelo (o maestro estava com o pé machucado), causou alvoroço na platéia que gritava insistentemente: Futurista! A manifestação chegou ao cúmulo, de um espectador abrir um guarda-chuva dentro do Teatro.

V – REPERCUSSÕES DA SEMANA:


“(...) O senhor Villa-Lobos, pelo seu talento musical, bem merecia não ter se metido com meia dúzia de cretinos que transformaram o nosso Municipal em dois espetáculos memoráveis pela sandice, numa desoladora grita de feira.”

O Estado de São Paulo

“Felizmente foram vingados os brios paulistas na última pagodeira da Semana Futurista.”

A Gazeta

“São uns pândegos, filhos de famílias ricas, que decidiram ser modernos apenas porque não sabem rimar.”

O Estado de São Paulo


VI – AS REVISTAS:

KLAXON (SP)


“Klaxon cogita principalmente de arte. Mas quer representar a época de 1920, em diante. Por isso é polimorfo, onipresente, inquieto, cômico, irritante, contraditório, invejado, insultado, feliz.”

Klaxon foi a primeira manifestação pós-Semana. Subtitulada Mensário de Arte Moderna, seu objetivo era divulgar os ideais estéticos apresentados durante a Semana.
Contando com propagandas sérias (Chocolates Lacta) e satíricas (Panuosopho, Pateromnium & Cia – fábrica de sonetos) não resistiu muito tempo (maio de 1922 a janeiro de 1923) diante às diversidades de seus colaboradores, levando-os a se dividirem em duas direções: a corrente dinamista (influenciados ao futurismo) e a corrente primitivista (identificados com o surrealismo e o expressionismo).
Além da Klaxon, outras revistas surgiram pelo Brasil: Estética (1924, RJ.), A Revista (1925/26, MG.), Terra Roxa e Outras Terras (1926, SP.), Revista Verde (1927, MG), entre outras menores.

VII – OS MANIFESTOS:

A. PAU-BRASIL E ANTROPOFAGIA:

“Contra o gabinetismo, a prática culta da vida. Engenheiros em vez de jurisconsultos, perdidos como chineses na genealogia das idéias.
A língua sem arcaísmos, sem erudição. Natural e neológica. A contribuição milionária de todos os erros. Como Falamos. Como somos.”

“Não há luta na terra de vocações acadêmicas. Há só fardas. Os futuristas e os outros.
Uma única luta – a luta pelo caminho. Dividamos: Poesia de importação. E a Poesia Pau-Brasil, de exportação.”

Dirigida por Oswald de Andrade, o Manifesto Pau-Brasil, foi lançado em 1924 na edição do Correio da Manhã. Propunha uma retomada ao passado histórico brasileiro, aos nossos costumes e à nossa língua em oposição aos doutores de casacas, que se caracterizavam como “máquinas de fazer versos”.


O Movimento Antropofágico (1928), também liderado por Oswald de Andrade, era um amadurecimento do Pau-Brasil. O ideário Antropofágico era de “uma atitude brasileira de devoração ritual dos valores europeus, a fim de superar a civilização patriarcal e capitalista, com normas rígidas no plano social e os seus recalques impostos, no plano psicológico”. (Antônio Cândido).
Buscava a simbologia heróica do índio, mas não como os autores românticos o idealizaram e, sim, “Contra o índio de tocheiro. O índio filho de Maria, afilhado de Catarina de Médicis e genro de D.Antônio de Mariz” e a valorização da cultura nacional.


B. VERDE-AMARELISMO E ANTA:


Surgiu em forma de crítica ao Movimento Pau-Brasil e Antropofágico, pois autores, entre eles: Menotti del Picchia, Cassiano Ricardo, Plínio Salgado viam os movimentos de Oswald de Andrade “afrancesados” e apresentava uma proposta nacionalista primitiva, ufanista e elegendo a anta como símbolo nacional.

Nhengaçu Verde-Amarelo

(Manifesto do Verde-Amarelismo, ou da Escola da Anta)

“O grupo “Verdamarelo”, cuja regra é a liberdade plena de cada um ser brasileiro como quiser e puder; cuja condição é cada um interpretar o seu país e o seu povo através de si mesmo, da própria determinação instintiva; - o grupo “verdamarelo”, à tirania das sitematizações ideológicas, responde com a sua alforria e a amplitude sem obstáculo de sua ação brasileira. Nosso nacionalismo é de afirmação, de colaboração coletiva, de igualdade dos povos e das raças, de liberdade do pensamento, de crença na predestinação do Brasil na humanidade, de fé em nosso valor de construção nacional.
Aceitamos todas as instituições conservadoras, pois é dentro delas mesmo que faremos a inevitável renovação do Brasil, como o fez, através de quatro séculos, a alma da nossa gente, através de todas as expressões históricas.
Nosso nacionalismo é “verdamarelo” e tupi.
O objetivismo das instituições e o subjetivismo da gente sob a atuação dos fatores geográficos e histórico.”


VIII – CARACTERÍSTICAS DA FASE HERÓICA:

- Luta contra o tradicionalismo, contra a arte passadista e o academicismo literário;
- Busca de originalidade e pesquisa das raízes nacionais;
- Valorização poética do cotidiano;
- Crítica social, principalmente os da elite burguesa;
- Ruptura com a gramática normativa;
- Liberdade plena de forma, versos livres e brancos;
- Presença do humor: poema-piada, poema-paródia;
- Sequência de imagens baseadas na associação, livre de lógica de causa e efeito;
- Linguagem coloquial;
- Irreverência e
- Nacionalismo crítico.

Um comentário:

Anônimo disse...

Excelente!!! Lindo e completo, vou recomendar o blog, certamente