segunda-feira, 7 de março de 2011

ARTE NO OCIDENTE: INTRODUÇÃO DA GRAÇA NA PINTURA E A OBRA "O CORTESÃO"

RENASCIMENTO FLORENTINO


I – DADOS CRONOLÓGICOS:


Final do século XV e início do século XVI

II – CONTEXTO HISTÓRICO-CULTURAL:

O desenvolvimento comercial das cidades italianas foi o responsável pelo suporte econômico do Renascimento. As cidades-estados italianas dedicavam-se ao comércio, e a nobreza urbana foi aos poucos se desvinculando de suas ligações feudais e assumindo valores e interesses da burguesia mercantil. Famílias poderosas da Itália fizeram parte do mecenato, como os Médicis, de Florença, os Sforzas, de Milão e tantos outros.




As cidades italianas, especialmente Florença, sede de banqueiros e centro de uma poderosa indústria de tecidos, eram politicamente estáveis e centralizadas, oferecendo relativa segurança aos intelectuais italianos e de outras regiões que lá se estabeleceram.

Diante deste quadro socioeconômico italiano extremamente rico, podemos perceber que havia condições na Itália para um desenvolvimento cultural e artístico, culminando no movimento Renascentista.

III – CARACTERÍSTICAS:

Os pintores procuram reproduzir a realidade, submetida a uma beleza idealista. O espírito clássico, a ordem e as formas simétricas são traços marcantes desta pintura.
A relação entre o mestre e seus discípulos era muito marcante e o estilo do mestre era o dominante na obra; no entanto, o trabalho era coletivo, criando-se uma comunidade artística.
A própria paisagem não é mais um quadro pintado atrás das personagens. Torna-se independente e contribui para o sentido geral.
As figuras são envolvidas pela atmosfera, e a invenção do claro-escuro, por Leonardo da Vinci, parece resultar não apenas do desejo de representar melhor a realidade, mas ainda da necessidade de estabelecer a unidade e fazer com que a luz represente um papel nessa sinfonia.
Os pintores não procuram apenas a beleza, a verdade ideal, mas também como arquitetos, a nobreza e a grandeza.
Os elementos em comum foram a redescoberta da arte; a literatura da Grécia e de Roma; o estudo científico do corpo humano e do mundo natural; e a intenção de reproduzir com realismo as formas da natureza.
Com o advento dos novos conhecimentos técnicos, como o estudo da anatomia, os artistas evoluíram na arte de pintar retratos, paisagens, motivos mitológicos e religiosos.
A Reforma Protestante diminuía o domínio da Igreja e o resultado disso foi substituir o prestígio de Deus como Ser Supremo para o estudo do homem.
Na pintura Renascentista podemos distinguir três grandes escolas com características próprias: a florentina, a veneziana e a romana, porém, o algo comum entre os artistas da época os une: o conceito de Graça.
O objetivo era dar um aspecto mais agradável às composições pictóricas, sempre idealizadas, mas tentando chegar à naturalidade; portanto, artificial, fingindo que não é arte.
A ideia já estava presente na vida da corte e nos círculos do poder (Estado e a Igreja).

Castiglione (1478-1529), homem culto e político, em 1528, publicou a obra “O cortesão” (Il Libro del Cortegiano), alcançando grande prestígio nas cortes européias.


A fortuna de ''O Cortesão'' foi enorme na Renascença, como atesta o número de suas traduções em várias línguas européias: é um dos cinco textos italianos mais traduzidos na Europa do século XVI, na época havia quinze traduções da obra. Em sua qualidade de livro sobre a cortesania e os cortesãos, perdeu atualidade e foi substituído por outros, já no século XVI, mas sua fortuna persiste, como clássico da literatura, aberto a todas as leituras.

Na realidade, mais que um tratado de comportamento é um documento rico em informações sobre a mentalidade, a estética e o gosto Renascentista. O livro mostra, mais que a realidade da época, as aspirações das classes altas a uma vida elegante e bela.
“Cortesão” é a denominação dada aos "gentis-homens" que compõe uma corte. Este pode exercer diversas funções, desde entreter os reis com músicas, conversas, jogos e danças, exercer cargos diplomáticos, dar conselhos e ajudar na formação do príncipe. A mulher que tem tais funções é uma “dama palaciana”, devido ao sentido pejorativo agregado à ideia de cortesã.
Grande sucesso, extremamente lido e influente, Castiglione, nele, ambiciona traçar o retrato do perfeito cortesão, a imagem do homem de corte que melhor traduziria alguns dos ideais da renascença italiana. O próprio autor era um desses personagens: lutou em batalhas quando jovem e depois foi trabalhar, convidado pelo duque Guidubaldo de Montefeltro, como secretário, diplomata e letrado na Corte de Urbino, onde apurou seus conhecimentos dos códigos cortesãos.
A imagem do cortesão e suas diversas características ideais, apesar de já existir há muito tempo, foi construída de forma intensa a partir dessa obra, onde se narram as discussões ocorridas na corte de Urbino, na Itália, em pleno Renascimento, a respeito do “cortesão perfeito”.
O objetivo de Castiglione é ditar as regras da arte de representar do fidalgo das cortes renascentistas: como ser bem “visto”, bem falado, evitar escândalos; enfim, a cultura de aparências para atingir o poder.
Esse aristocrata cuja função se limita a servir o príncipe e não mais diretamente a governar e é, ainda por cima, ameaçada de extinção pela formação das monarquias absolutas (em 1530, dois anos após a publicação de ''O Cortesão'', Carlos 5º era coroado imperador em Bolonha, determinando assim, o fim das cortes como aquela descrita no livro de Castiglione).
Se o livro descreve um mundo que está acabando, o cortesão Castiglione não tem maior sorte: ele é, por ironia do destino, embaixador do papa junto a Carlos 5º justamente quando este decide o saque de Roma (1527), evento extremamente traumático para a Itália, que vê, com o fim da invulnerabilidade da cidade do papa, uma indicação do fim da independência dos vários Estados italianos.
Nesse mundo, talvez seja natural que as reflexões apontem para o conflito realidade/aparência. De fato, o mais urgente problema filosófico do cortesão parece partir, quase de todos os lados, do reconhecimento de que a realidade social se constitui sobre uma série de enganos e ilusões, porque o comportamento de cada um baseia-se em opiniões e impressões. A solução do problema é retórica: se o mundo se funda no engano, o homem deve se tornar mestre na arte do engano, ou melhor, da persuasão.
''O Cortesão'' é um tratado sobre a arte de persuadir, sobre a arte de impressionar. Nesse sentido, é uma nova codificação de valores expressos pela tradição clássica, e particularmente de dois textos fundamentais: a ''Ciropédia'' (''A Educação de Ciro''), de Xenofonte, e o ''Orator'', de Cícero.




“O Cortesão” é composto por quatro livros: nos dois primeiros há a construção do cortesão ideal e todos os seus atributos, sejam eles físicos, espirituais, artísticos, musicais, humorísticos, entre outros. No terceiro livro, devido a uma discussão acerca dos valores, capacidades e atributos das mulheres, há a construção da imagem da dama palaciana ideal. Essa parte do livro é marcada por uma discussão calorosa em que se propõe tanto que a mulher é um ser inferior, desvirtuado e impuro, quanto que é o oposto. No quarto livro há a idealização do "príncipe", ou governante ideal.


“O cortesão” é um texto tão complexo e ambivalente não poderia deixar de se abrir a numerosas outras leituras: foi lido como resposta política à crise da nobreza e, mais em geral, à crise italiana; como texto humanista extremamente refinado, que constitui uma ponte entre as cortes e o humanismo e vice-versa; como evocação pessoal do mundo das cortes em agonia; e ainda foi revisitado nos aspectos ligados aos problemas específicos que enfrenta (a ''questão da língua'', questão fundamental italiana, o amor platônico, a condição da mulher porque associada à discussão sobre as virtudes necessárias à dama de palácio etc).


Seus princípios fundamentais são:

1. Manter sempre uma conduta amorosa:
Saber se relacionar de maneira cortês principalmente com as senhoras, pois essas detinham o poder de influência na vida da corte.
Mostrar, também, as condições que há de reunir uma perfeita dama de palácio: deve estar como o cortesão, livre de paixões amorosas e devoto daquele amor que através da beleza física transcende para a contemplação da beleza moral, e que não caduca, superando o humano. Um amor como o que o próprio Castiglione experimentou por Elisabetta Gonzaga.

2. Não demonstrar afetação:
Portar-se como perfeito cavalheiro renascentista, a quem se exige ser culto, elegante, hábil, de gosto esquisito e, além disso, bom soldado: vigoroso e perito no uso das armas.
Sempre concordar, mesmo tendo opinião contrária, porém, não ser pedante e nem agir como um tolo, pois os tolos não são confiáveis.

3. Conduzir-se sempre com “sprezzatura”:
De acordo com o tratado de Castiglione, o homem da corte deve usar em cada coisa certa “sprezzatura”. Não há uma tradução precisa para esse termo, por isso que é grafada em italiano, mas aproxima-se de habilidade, facilidade, desenvoltura, destreza, displicência, naturalidade ou prática ou por inclinação natural (natureza mais cultura), que oculte a arte e demonstre que o que se faz e diz é feito sem esforço e quase sem pensar, como o “engenho e a arte”.
Tal ''naturalidade artificial'', ou ''espontaneidade simulada'', tem precedentes na ''neglegentia diligens'' já proposta por Cícero e Ovídio, e é análoga também a uma qualidade do comportamento do ''homem magnânimo'' de Aristóteles. Esse conceito, que tem raízes profundas no mundo clássico, foi retomado várias vezes e é atualmente adotado como um dos modelos de comportamento na cultura ocidental.
O verdadeiro artista, portanto, é aquele que faz a arte sem parecer arte, e sim, a própria natureza, colocando o seu estilo, sem ostentação.

Nenhum comentário: